Marcelo Bertini, presidente da Rede Cinemark, comemora o mês de janeiro, quando a venda de ingressos aumentou 41% em relação a janeiro de 2008
Claudia Facchini e Lílian Cunha, de São Paulo
10/02/2009 Jornal VALOR
Mesmo com a crise, os estacionamentos e corredores dos shoppings continuam cheios em São Paulo, sobretudo em dias de chuva, o clima que mais agrada a executivos do ramo. Mas não se vê tantas pessoas carregadas de sacolas. Muitas delas querem apenas ir ao cinema, almoçar em um restaurante ou em um fast-food da praça de alimentação, tomar um café ou cortar o cabelo.
Os setores de lazer, serviços e refeição são os que apresentam os melhores desempenhos nos shoppings, em especial nos últimos cinco meses, quando o crédito para consumo de bens de maior valor tornou-se caro e escasso. Já as "âncoras" - grandes lojas de vestuário ou eletrônicos, com áreas superiores a mil metros quadrados - são as que mais estão sofrendo.
Em um relatório sobre a Renner, segunda maior varejista de vestuário do país, um analista do banco Credit Suisse afirma que as vendas em janeiro "continuam fracas, assim como no quarto trimestre, devido à menor confiança dos consumidores". O público das grandes lojas, como a Renner, Riachuelo e Casas Bahia, paga suas compras em parcelas e depende da oferta de crédito, diferentemente de outros setores, explica Luiz Fernando Veiga, diretor-executivo da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce).
Enquanto executivos das grandes cadeias de vestuário têm motivos para se preocupar, o presidente da Rede Cinemark no Brasil, Marcelo Bertini, comemora uma bilheteria que há muito tempo não via. "Foi o melhor janeiro de muitos anos", diz Bertini. No mês passado, 3,823 milhões de pessoas foram a uma das 394 salas da rede. São 41% mais que o público de 2,711 milhões registrado em janeiro de 2008 e 48% mais que o do mesmo mês de 2007.
No Bob's, rede de fast-food com a maior cobertura geográfica do país, os planos de expansão são ainda mais agressivos do que ano passado, quando foram inaugurados 80 pontos-de-venda. "Pretendemos abrir mais de 90 unidades", diz Ricardo Bomeny, presidente da cadeia nacional de lanchonetes, que hoje possui 660 lojas.
O melhor resultado dos setores de serviços e lazer também se deve ao próprio empenho dos shoppings, que dedicaram mais espaço a esses negócios, como praças de alimentação, academias e cinemas, para atrair tráfego em dias diferentes da semana.
Em uma das maiores cadeias nacionais de shopping centers do país, as receitas das operações de lazer e alimentação cresceram 20% e 15%, respectivamente, no quarto trimestre em relação a igual período de 2007. As lojas-âncoras, ao contrário, não puderam contar com a sorte no verão da crise.
Nessas lojas maiores, as vendas tiveram crescimento próximo a zero no quarto trimestre na mesma cadeia de shoppings. Até as marcas-satélites - grupo formado por lojas menores e que costuma representar até 80% das áreas dos shoppings - estão se saindo melhor que as grandes varejistas, com aumento de 13% nas vendas do último trimestre.
Na Multiplan, maior rede de shoppings em faturamento do país, o cenário é o mesmo. As operações de alimentação fecharam o ano de 2008 com um crescimento nas vendas de 12,3% pelo critério "mesmas lojas", que considera apenas as áreas existentes em igual período de 2007 para efeito de comparação.
As grandes varejistas de vestuário cresceram muito menos - 6,6% - pelo mesmo critério. As lojas de roupas de menor porte, em compensação, apresentaram um forte aumento, de 13,2%, nas vendas do ano passado. A Multiplan possui participações acionárias em 12 shoppings, entre eles o Morumbi e Anália Franco em São Paulo, e o BarraShopping no Rio, que faturou sozinho R$ 1 bilhão em 2008.
No shopping Eldorado, em São Paulo, as lojas de menor porte também tiveram resultados muito mais fortes que as âncoras. As vendas dos dois grupos cresceram 18% e 2%, respectivamente, em 2008. O empreendimento, que é administrado pela Ancar, atraiu mais lojas- satélites para sofisticar o seu portfólio de marcas como parte de uma programa de revitalização. Em 2008, 20 novas operações instalaram-se no Eldorado - Calvin Klein e as lojas de celulares Oi e TIM, entre elas.
Como as lojas-satélites já não concediam condições muito facilitadas de pagamento, elas acabaram sentindo menos os efeitos do aperto no crédito, afirma o diretor da Abrasce. O público que compra nas lojas satélites, como butiques de grifes, também possui um maior poder aquisitivo. "Talvez essas pessoas tenham viajado menos e gastado mais nos nossos shoppings", afirma o diretor de relações com investidores da Multiplan, Armando d'Almeida Neto.
A forte expansão e consolidação dos shoppings nos últimos três anos também coincidiu com o processo de profissionalização das franquias, o que levou ao melhor resultado das lojas-satélites nos empreendimentos. Segundo Veiga, 24 shoppings devem ser inaugurados no Brasil em 2009, um número recorde e bem maior que o registrado em 2008, quando foram abertos 13 centros comerciais. A área bruta locável (ABL), espaço disponível para lojas, vai aumentar 8% neste ano nos shoppings, que vão ampliar a oferta em 661 metros quadrados.
Com tanto oferta, as franquias terão terreno de sobra para continuar se expandindo. "Há quatro anos, o setor cresce a taxas de dois dígitos", diz Bomeny, que preside a Associação Brasileira de Franchising (ABF). No quarto trimestre, segundo a entidade, as vendas aumentaram 21,5% sobre igual período de 2007 e as perspectivas são que o setor ainda cresça 19,4% neste primeiro trimestre.
A expansão do setor de serviços chama a atenção do BNDES. Em entrevista recente ao Valor, Ernani Torres, chefe da área de pesquisa e acompanhamento econômico do banco, disse que o a expansão do PIB em 2009, do lado da oferta, será sustentada pelos serviços.